domingo, 24 de novembro de 2013

A perigosa tentação da ‘democracia plebiscitária’ 
O Globo 
Na sessão de quarta-feira passada, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados deu a um dos projetos examinados — que trata da união civil de pessoas do mesmo sexo — um insólito encaminhamento: propôs convocar os brasileiros a se manifestar em plebiscito.
Um pouco mais atrás, no auge das manifestações populares que cobravam mudanças generalizadas no país, a presidente Dilma Rousseff embrulhou na mesma receita sua resposta ao ronco das ruas, ao apresentar em cadeia nacional de rádio e televisão proposta de minirreforma política na qual o principal ingrediente era uma consulta plebiscitária (de resto, sobre temas que interessavam aos atuais condôminos do Palácio do Planalto e passavam ao largo de soluções realistas para os principais problemas mencionados nos protestos).
Não são procedimentos isolados, mas uma perigosa indicação de que correntes poderosas dentro do Legislativo e do Executivo brasileiros se deixaram contagiar por princípios da chamada “democracia plebiscitária” como opção do exercício de poder.
Engendrada em laboratórios políticos, essa fórmula tornou-se regra em programas de governo bolivarianos que, a partir da Venezuela de Hugo Chávez, contaminaram as instituições de diversos países do continente.
No Brasil, com as instituições fortalecidas pelo exercício de uma democracia que já se provou imune a aventuras, a ideia de plebiscitar temas tópicos ainda não passa de tentativa espasmódica de determinados setores.
Mas é preciso manter acesa a luz de alerta contra tais iniciativas, especialmente num momento em que o país reclama, sob consenso — inclusive nas ruas —, o esforço de uma reforma política. Nessas horas, costuma ser grande a tentação pelo aventureirismo.
O termo “democracia plebiscitária” contém um erro de princípio: a democracia é um valor absoluto, que se mede não por adjetivos, mas pelo respeito a princípios universalmente aceitos como inerentes a esse sistema, como garantia dos direitos humanos, pluralismo, respeito a minorias, alternância de poder etc.
Desde o fim do ciclo militar iniciado em 1964, o Brasil tem dado provas suficientes de maturidade institucional no trato de questões sensíveis, do que são exemplos o movimento pelo impeachment de Collor e o julgamento do mensalão do PT.
Foram momentos nos quais restou provado que o pacto social balizado pela Constituição de 1988 contém dispositivos suficientes contra demandas exóticas no exercício do poder. Sem dúvida, é preciso aperfeiçoar os mecanismos institucionais, mas no âmbito de uma reforma política discutida e aprovada nas instâncias apropriadas, e que leve o país a reformular, por exemplo, um sistema “convidativo à corrupção”, como sublinhou o ministro do STF Luís Roberto Barroso, durante o julgamento do mensalão.

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