Rainer Leurs - Le Monde
Nicolas Delaunay/AFP
Alcoólatras trabalham na limpeza das ruas de Amsterdã; pagamento é feito em dinheiro, tabaco e cerveja
Amsterdã começou a empregar alcoólatras na limpeza das ruas da cidade,
pagando em dinheiro, tabaco e cerveja. Enquanto as autoridades
municipais dizem que isso está resolvendo problemas relacionados à
embriaguez pública, os críticos questionam se o programa alimenta o
vício de modo antiético.A ideia surgiu há algum tempo, de uma forma um tanto confusa, no Oosterpark de Amsterdã. O espaço verde próximo do centro da cidade, com seu lago com patos e amplos gramados, era um local agradável para famílias --se não fosse pelos alcoólatras.
"Há anos os moradores se queixam", diz Casper Itz, porta-voz do subprefeitura de Oost. Um grupo de até 40 alcoólatras tornava o parque inseguro, ele diz, ao brigar, gritar e urinar em público.
As autoridades municipais tentaram de tudo para resolver o problema, diz Itz, incluindo multas e proibição de álcool no parque. Foi tudo em vão, até que alguém veio com o projeto de varrição de rua.
É um tipo de trabalho social que só poderia acontecer em Amsterdã, uma das grandes cidades mais liberais da Europa, onde o pragmatismo relaxado domina a política para drogas e um ocasional cheiro de maconha pode ser sentido em quase toda esquina.
O programa funciona assim: é dada uma vassoura para os alcoólatras manterem as ruas e os parques limpos. Em troca, eles recebem 10 euros por dia, assim como meio pacote de tabaco de enrolar e até cinco latas de cerveja --duas pela manhã, duas à tarde e mais uma após o fim do expediente.
'Precisamos de álcool para funcionar'
O projeto foi desenvolvido com especialistas em vício há cerca de um ano, diz Itz, e é um enorme sucesso."Essas pessoas passam a ter algo para fazer, uma rotina diária estruturada", diz. "E sumiram do parque." Atualmente, 19 alcoólatras estão participando do projeto, diz ele, acrescentando rapidamente que a cerveja gratuita não é pagamento pelo trabalho deles, mas sim parte do tratamento médico.
"Funciona da mesma forma que dar heroína aos viciados. Um especialista em vício está sempre presente e controla quanto cada indivíduo está recebendo."
Segundo Itz, mesmo as cinco latas de cerveja representam menos do que os alcoólatras beberiam por dia se estivessem por conta própria, um dos motivos para não darem simplesmente dinheiro. "Nós não teríamos nenhum controle. Conosco, há uma geladeira, e a geladeira tem um cadeado. E somos nós que decidimos quando o cadeado é aberto."
O projeto foi tema de uma reportagem recente da agência de notícias "France Presse", que disse que a atmosfera de confiança mútua significa que, se o supervisor está ausente, os próprios alcoólatras anotam quanto beberam.
"Eu acho que posso falar pelo grupo e dizer que se eles não nos dessem as cervejas, nós não viríamos", disse Frank, um participante de 45 anos, à agência. "Nós precisamos de álcool para funcionar, essa é a desvantagem do alcoolismo crônico."
Especialistas alemães céticos
O dia de trabalho começa às 9h da manhã, em um barracão que serve como sede do projeto. Cada pessoa recebe uma xícara de café, um cigarro e duas latas de Grolsch, uma cerveja holandesa. Então eles vestem seus coletes de segurança laranja néon, pegam seus sacos de lixo e equipamentos e saem às ruas de Amsterdã."Nossa intenção não é substituir os funcionários regulares de nosso serviço municipal de limpeza", diz Itz. "A meta principal é lhes dar uma tarefa e mantê-los fora do parque." O projeto é financiado pelo fundo municipal da cidade. "Mas é realmente barato em comparação aos métodos repressivos que aplicávamos antes", ele acrescenta --19 euros por pessoa por dia. Outras cidades na Holanda expressaram interesse na adoção do programa, que já está sendo expandido para os bairros de West e Noord de Amsterdã, entre outros. "Parques ou estações de trens com bêbados que causam problemas existem em toda parte", diz Itz.
Os especialistas alemães responderam ao projeto com mais reserva. "Certamente faz sentido dar ao alcoólatra uma tarefa, consequentemente uma estrutura diária fixa", diz Christa Merfert-Diete, porta-voz da Escritório Central Alemão para Questões de Vício. "Mas não vemos motivo para dar tabaco e álcool além do dinheiro." Os alcoólatras podem comprar cerveja nos supermercados, ela disse, de modo que não há motivo para dá-la de graça.
Itz diz que também há discussão na Holanda sobre se é ético fornecer cerveja para alcoólatras. Mas ele diz que as pessoas em sua cidade aprenderam algo na luta contra o vício: "Apenas quando você primeiro analisa como pode influenciar o vício é que você pode ajudar os viciados --e também resolver os problemas dos moradores."
Quanto à pergunta sobre se os alcoólatras acabarão bebendo menos, Frank, o participante, está cético. Quando ele e seus colegas encerram o dia de trabalho, elas vão ao mercado comprar mais cerveja. "É claro que bebemos de modo mais estruturado", ele diz, "mas não acho que estamos bebemos menos".
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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