Harold Thibault - Le Monde
Para celebrar o Ano Novo Lunar, no final de janeiro, os operários
imigrantes deixarão as fábricas das províncias costeiras para voltar ao
campo no centro da China, enquanto as festas durarem. Shen Suzhen, 31,
espera a ocasião para convencer seu irmão e sua cunhada, os Zeng, a
ficarem de vez em seu vilarejo de Zhugao.
Os dois filhos de Zeng não são casos isolados, longe disso. No país, 61 milhões de crianças são "deixadas para trás", segundo números publicados em 2013 pela Federação de Mulheres da China, uma organização governamental. Ou seja, 21,8% dos menores de 17 anos, no país mais populoso do mundo, com 1,35 bilhão de habitantes.
O jovem Mingqi vê seus pais no máximo uma vez por ano. É claro, eles se falam pelo telefone, mas as conversas são sempre limitadas. "Eu pergunto como é a vida deles em Dongguan e eles me perguntam como vão meus estudos. Eu respondo que estou na média da classe", conta o garoto.
Na escola de Zhugao, um professor de matemática, Lan Wenfu, explica que os avós estão lá para cozinhar e lavar a roupa para essas "crianças deixadas para trás", mas que eles não têm necessariamente os conhecimentos para ajudá-los a fazerem o dever de casa. "Entre os 10 e os 15 anos é uma idade crítica. Esses jovens acabam fazendo o que bem entendem, muitos deles sempre agem com rebeldia", constata Lan. "No vilarejo, alguns alunos consideram que eles não têm realmente uma família", lamenta Shen Suzhen.
O destino desses meninos e meninas negligenciados tem causado cada vez mais indignação. A população chinesa agora aponta para o culpado: o hukou, o passaporte interno que obriga as crianças a frequentarem a escola da cidade de origem de seus pais. Em novembro de 2012, a blogosfera se comoveu com a morte de cinco irmãos e primos, filhos de imigrantes, cujo desaparecimento dez dias antes não parecia ter preocupado nem a escola, nem as autoridades locais. Com idades entre 9 e 13 anos, eles morreram intoxicados por monóxido de carbono depois de acenderem uma fogueira dentro de um caminhão de lixo para se protegerem do frio.
Em agosto, a China ficou horrorizada ao saber que um professor, na rural província de Jiangxi, havia estuprado oito meninas, passando-lhes o papilomavírus, um vírus sexualmente transmissível. Seus pais haviam migrado em busca de trabalho.
Para que as coisas mudem, será preciso convencer as cidades prósperas a receberem os filhos dos trabalhadores pobres que vêm do interior. Nada garante que dê certo, como mostra a história de Diao Qianwen. Essa menina de 6 anos foi educada no interior por seus avós, que decidiram deixar sua província de Shandong para ir trabalhar em Xangai, em um mercado. Mas sem os documentos necessários, nenhuma escola aceitou a menina. Sua situação acabou atraindo a atenção de um canal público de televisão este verão e obrigou uma escola a aceitá-la, para desgosto de vários pais de Xangai que temem ver as escolas da capital econômica sendo invadidas pelos filhos e filhas de camponeses.
"Quem será o próximo? Milhões de crianças do campo vão querer vir estudar aqui, nos melhores estabelecimentos. Eles terão todo tipo de desculpa...", escreveu um deles no Weibo, o Twitter chinês.
Essas barreiras de integração, às quais se soma o elevado custo de vida nas províncias industrializadas do litoral, estão levando um número cada vez maior de migrantes a voltar para suas casas. O desenvolvimento da economia no centro do país tem contribuído para isso. Em Zhugao, as autoridades locais por muito tempo incentivaram que os habitantes fossem embora, interessadas nos salários que seriam trazidos ao vilarejo, chegando ao ponto de organizar o transporte para as fábricas afastadas. Mas hoje os oficiais estão tentando incentivar o retorno deles, para apoiar a atividade local, e organizam treinamentos dentro das novas pequenas fábricas dos arredores.
Essa política está começando a dar seus frutos: a porcentagem de alunos sem pais na escola de Zhugao passou, em menos de quatro anos, de mais de 50% para um terço dos alunos. "Eles veem que o afastamento é nefasto para a educação e que há consequências sociais", diz Shen Pingan, um vice-líder do vilarejo.
Em um país onde o governo gosta de dizer que quer associar a sociedade inteira ao seu projeto, "o Partido tem medo de criar uma geração que se rebele contra o sistema por ter sido excluído dele", avalia Chloé Froissart, pesquisadora no Centro de Estudos Franceses sobre a China Contemporânea, em Hong Kong.
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