Frank Bruni - NYT
Arquivo Pessoal/Reuters
Imagem dos irmãos acusados pelos atentados de Boston, Dzhokhar Tsarnaev (centro, abaixo) e Tamerlan Tsarnaev (centro, acima). Na imagem, os jovens --ainda crianças--, estão acompanhados pelas irmãs
Ah se as coisas fossem tão simples quanto os drones que retornam para casa para pernoitar, seria reconfortante, de alguma maneira. Se tivéssemos de defender uma causa bem definida, ela nos daria uma solução clara para o problema: provocar menos mortes em terras distantes e nos preocupar menos com as mortes em nosso próprio território.
Ah se tudo pudesse ser atribuído à leniência do processo de imigração ou a um erro do FBI. Nós poderíamos endurecer as regras em ambas as frentes, voltando um olhar mais belicoso para qualquer um que aspirasse viver nos Estados Unidos e fazendo o pessoal de Quantico (onde estão sediadas academias de treinamento do FBI) andar na linha e trabalhar mais duro do que nunca. Talvez, então, pudéssemos eliminar a preocupação que floresce de forma sombria dentro de muitos de nós quando visitamos monumentos muito populares, que atraem multidões, ou quando vamos assistir eventos de natureza bastante simbólica, como a Maratona de Boston – cuja interrupção violenta transmite todo o horror adicional que os terroristas pretendiam imprimir.
A semana passada foi uma semana de teorias, de ficar remoendo o assunto, das denúncias políticas e motivações que foram engatadas como vagões de trem aos acontecimentos daquela tarde brutal em Boston.
A radicalização dos perpetradores do atentado de Boston mostrou que devemos reduzir nossas campanhas militares e adotar uma postura mais humilde no mundo. O poder de fogo dos perpetradores (descrito com exagero, ao que parece) alimentou a defesa do controle de armas.
Nós tínhamos de ser mais expansivos e comunicativos em nossa tentativa de incluir os muçulmanos – que se tornam agentes de destruição por serem alvos de suspeitas – em nossas comunidades. Nós tínhamos que nos livrar do "politicamente correto" e patrulhar as mesquitas.
Ah, as armadilhas das anistias que nosso país concede e o grande coração que ele abre a certos peregrinos originários de países do Terceiro Mundo! Ah, o perigo de todos os nossos jovens alienados e sem rumo! (E será que existem muitos outros tipos de jovens?)
Mas esses diagnósticos superficiais, muitos dos quais convenientemente vinculados a uma proposta de solução, não tinham a ver, em parte ou em sua totalidade, com a política, a sociologia ou nada de muito concreto. Eles tinham a ver com algo muito mais nebuloso e que é muito menos facilmente dominado.
Esses diagnósticos tinham a ver com o medo. E eles tinham a ver com o anseio ardente, persistente e pungente que sentimos para acreditar que, em uma sociedade onde a circulação de informações e pessoas é livre, em uma sociedade na qual convivem ideologias conflitantes e de sonhos espetaculares que não se tornam realidade – em outras palavras, nesse esplêndido, mas difícil experimento batizado de Estados Unidos da América –, nós somos capazes, de alguma forma, de evitar o desastre e vacinar a nós mesmos contra esse tipo de ação. Após uma análise suficientemente aprofundada do feed do Twitter de um dos suspeitos – que descreve um débil rapaz de 19 anos de idade como combatente inimigo –, nós pudemos desvendar o enigma e, em seguida, nos ajustar e obedecer às verdades detectadas em seu cerne.
No programa "Meet the Press", transmitido no final de semana passado pela rede de TV norte-americana NBC, Doris Kearns Goodwin descreveu a festa que teve início em um bar onde ela estava quando foi noticiada a captura do mais jovem dos irmãos Tsarnaev: "Todo mundo começou a gritar: 'Graças a Deus que o capturamos vivo', pois queremos uma resposta para a pergunta 'por quê?'"
E, durante os dias que se seguiram, as pessoas que estavam no bar – e todos nós – obtivemos muitas respostas. Nós ficamos sabendo que Dzhokhar Tsarnaev foi facilmente influenciado por Tamerlan Tsarnaev, 26, numa dinâmica que ocorre entre irmãos e que costuma ser totalmente rotineira.
Nós ficamos sabendo que a internet e as redes sociais instigaram em um deles, ou em ambos, influências malignas e os que envolveram em raiva e pensamentos distorcidos, da mesma maneira que a internet e as redes sociais permitem que qualquer pessoa se concentre em uma obsessão específica, em um único conjunto de emoções.
Nós ficamos sabendo que eles tinham obtido instruções para a confecção de bombas na internet, da mesma forma que outras pessoas buscariam uma receita de guacamole.
Levando tudo isso em consideração, nós ficamos sabendo-- pelo menos do necessário tanto para amplificar nossas ansiedades quanto para acalmá-las--, pois os Tsarnaev eram aparentemente imperceptíveis, terroristas acidentais, e porque a imagem que apareceu realmente não produziu um conjunto de instruções capaz de evitar que o caos que eles supostamente orquestraram ocorra novamente. O ocorrido sugere a facilidade com que atentados como esse podem acontecer em uma terra de liberdade, governada por um pacto de confiança.
Os irmãos tiveram muitas razões para amar os Estados Unidos. Ao que parece, mais razões para amar do que para odiar o país. Quando sua família-- de origem tchetchena--, pediu asilo, os EUA disseram que sim. O país lhes deu oportunidades, lhes deu esperança. Dzhokhar frequentou a mesma escola de ensino médio que Ben Affleck e Matt Damon frequentaram. E, após se formar, a cidade de Cambridge, em Massachusetts, ofereceu a ele uma bolsa de US$ 2.500 para que ele desse continuidade a seus estudos.
Mas ele não se saiu bem na faculdade, assim como a carreira de Tamerlan no boxe – ele chegou a aspirar ser representante dos EUA nos Jogos Olímpicos – não deu certo. E as grandes promessas feitas pelo nosso país, sem dúvida, fazem com que as decepções sejam ainda mais esmagadoras.
Mas as grandes promessas também nos fazem ser quem somos.
Os irmãos aparentemente se opunham às nossas intervenções no Iraque e no Afeganistão. Mas será que eles não teriam tido alguma outra queixa, alguma outra objeção, caso essas intervenções nunca tivessem ocorrido? Eles surgiram depois dos atentados terroristas de 11 de Setembro, cujos autores tinham muitos outros descontentamentos para justificar seus atos.
Para aqueles que têm a capacidade para exercitar sua fúria, justificativas não são difíceis de encontrar. Timothy McVeigh, responsável pelo atentado a bomba na cidade de Oklahoma, citou o ataque do governo dos EUA ao Ramo Davidiano, em Waco, no Texas, como um dos motivos que impulsionaram suas ações. Ele não era nem muçulmano nem imigrante, apenas desequilibrado – caracterização que também se aplica a Anders Behring Breivik, que culpou a aceitação do multiculturalismo na Europa pelo assassinato, orquestrado por ele, de 77 pessoas na Noruega em 2011. O terrorismo não é um flagelo que apenas nós, norte-americanos, suportamos – e ele raramente tem a ver com uma única motivação ou com algumas poucas motivações.
Nossa insistência em tentar detectar padrões e semelhanças e obter algum tipo de entendimento pressupõe a existência de racionalidade e coerência nesses massacres. Mas a diferença entre os jovens alienados e sem rumo que não plantam bombas nem abrem fogo no meio de multidões desavisadas – que são a grande maioria – e aqueles que praticam esses atos provavelmente está menos relacionada a um discreto processo de radicalização, que podemos definir e erradicar, do que a uma dose, às vezes alta, de pura loucura. E não há antídoto fácil para isso. Muito menos um amuleto contra esse tipo de loucura.
Há também um perigo embutido no experimento norte-americano, cuja própria natureza nos deixa expostos. Nossa diversidade, que é corretamente valorizada, pode transformar o desafio de fazer as pessoas se sentirem parte de uma comunidade muito mais difícil. Nossa sorte e liderança significam que nós seremos não apenas invejados pelo restante do mundo, mas também criticados.
O FBI desviou seu olhar do mais velho dos irmãos Tsarnaev após não ter conseguido detectar nenhum sinal de alarme conclusivo, pois é isso que o governo deve fazer na ausência de informações mais precisas. Nós não queremos que o governo vá longe demais ao espionar nossas vidas. Isso significa que o governo provavelmente deixará passar algumas coisas.
Nós podemos e vamos descobrir pequenas maneiras para nos sentir mais seguros, mas temos de aceitar a realidade de que nunca estaremos completamente seguros – não com a navegação irrestrita na internet. Nem com a Segunda Emenda. Nem com a privacidade que esperamos ter. Nem com a liberdade que exigimos.
Esse é o acordo que firmamos. Ele é imperfeito, mas é o caminho certo.
Imagem dos irmãos acusados pelos atentados de Boston, Dzhokhar Tsarnaev (centro, abaixo) e Tamerlan Tsarnaev (centro, acima). Na imagem, os jovens --ainda crianças--, estão acompanhados pelas irmãs
Ah se as coisas fossem tão simples quanto os drones que retornam para casa para pernoitar, seria reconfortante, de alguma maneira. Se tivéssemos de defender uma causa bem definida, ela nos daria uma solução clara para o problema: provocar menos mortes em terras distantes e nos preocupar menos com as mortes em nosso próprio território.
Ah se tudo pudesse ser atribuído à leniência do processo de imigração ou a um erro do FBI. Nós poderíamos endurecer as regras em ambas as frentes, voltando um olhar mais belicoso para qualquer um que aspirasse viver nos Estados Unidos e fazendo o pessoal de Quantico (onde estão sediadas academias de treinamento do FBI) andar na linha e trabalhar mais duro do que nunca. Talvez, então, pudéssemos eliminar a preocupação que floresce de forma sombria dentro de muitos de nós quando visitamos monumentos muito populares, que atraem multidões, ou quando vamos assistir eventos de natureza bastante simbólica, como a Maratona de Boston – cuja interrupção violenta transmite todo o horror adicional que os terroristas pretendiam imprimir.
A semana passada foi uma semana de teorias, de ficar remoendo o assunto, das denúncias políticas e motivações que foram engatadas como vagões de trem aos acontecimentos daquela tarde brutal em Boston.
A radicalização dos perpetradores do atentado de Boston mostrou que devemos reduzir nossas campanhas militares e adotar uma postura mais humilde no mundo. O poder de fogo dos perpetradores (descrito com exagero, ao que parece) alimentou a defesa do controle de armas.
Nós tínhamos de ser mais expansivos e comunicativos em nossa tentativa de incluir os muçulmanos – que se tornam agentes de destruição por serem alvos de suspeitas – em nossas comunidades. Nós tínhamos que nos livrar do "politicamente correto" e patrulhar as mesquitas.
Ah, as armadilhas das anistias que nosso país concede e o grande coração que ele abre a certos peregrinos originários de países do Terceiro Mundo! Ah, o perigo de todos os nossos jovens alienados e sem rumo! (E será que existem muitos outros tipos de jovens?)
Mas esses diagnósticos superficiais, muitos dos quais convenientemente vinculados a uma proposta de solução, não tinham a ver, em parte ou em sua totalidade, com a política, a sociologia ou nada de muito concreto. Eles tinham a ver com algo muito mais nebuloso e que é muito menos facilmente dominado.
Esses diagnósticos tinham a ver com o medo. E eles tinham a ver com o anseio ardente, persistente e pungente que sentimos para acreditar que, em uma sociedade onde a circulação de informações e pessoas é livre, em uma sociedade na qual convivem ideologias conflitantes e de sonhos espetaculares que não se tornam realidade – em outras palavras, nesse esplêndido, mas difícil experimento batizado de Estados Unidos da América –, nós somos capazes, de alguma forma, de evitar o desastre e vacinar a nós mesmos contra esse tipo de ação. Após uma análise suficientemente aprofundada do feed do Twitter de um dos suspeitos – que descreve um débil rapaz de 19 anos de idade como combatente inimigo –, nós pudemos desvendar o enigma e, em seguida, nos ajustar e obedecer às verdades detectadas em seu cerne.
No programa "Meet the Press", transmitido no final de semana passado pela rede de TV norte-americana NBC, Doris Kearns Goodwin descreveu a festa que teve início em um bar onde ela estava quando foi noticiada a captura do mais jovem dos irmãos Tsarnaev: "Todo mundo começou a gritar: 'Graças a Deus que o capturamos vivo', pois queremos uma resposta para a pergunta 'por quê?'"
E, durante os dias que se seguiram, as pessoas que estavam no bar – e todos nós – obtivemos muitas respostas. Nós ficamos sabendo que Dzhokhar Tsarnaev foi facilmente influenciado por Tamerlan Tsarnaev, 26, numa dinâmica que ocorre entre irmãos e que costuma ser totalmente rotineira.
Nós ficamos sabendo que a internet e as redes sociais instigaram em um deles, ou em ambos, influências malignas e os que envolveram em raiva e pensamentos distorcidos, da mesma maneira que a internet e as redes sociais permitem que qualquer pessoa se concentre em uma obsessão específica, em um único conjunto de emoções.
Nós ficamos sabendo que eles tinham obtido instruções para a confecção de bombas na internet, da mesma forma que outras pessoas buscariam uma receita de guacamole.
Levando tudo isso em consideração, nós ficamos sabendo-- pelo menos do necessário tanto para amplificar nossas ansiedades quanto para acalmá-las--, pois os Tsarnaev eram aparentemente imperceptíveis, terroristas acidentais, e porque a imagem que apareceu realmente não produziu um conjunto de instruções capaz de evitar que o caos que eles supostamente orquestraram ocorra novamente. O ocorrido sugere a facilidade com que atentados como esse podem acontecer em uma terra de liberdade, governada por um pacto de confiança.
Os irmãos tiveram muitas razões para amar os Estados Unidos. Ao que parece, mais razões para amar do que para odiar o país. Quando sua família-- de origem tchetchena--, pediu asilo, os EUA disseram que sim. O país lhes deu oportunidades, lhes deu esperança. Dzhokhar frequentou a mesma escola de ensino médio que Ben Affleck e Matt Damon frequentaram. E, após se formar, a cidade de Cambridge, em Massachusetts, ofereceu a ele uma bolsa de US$ 2.500 para que ele desse continuidade a seus estudos.
Mas ele não se saiu bem na faculdade, assim como a carreira de Tamerlan no boxe – ele chegou a aspirar ser representante dos EUA nos Jogos Olímpicos – não deu certo. E as grandes promessas feitas pelo nosso país, sem dúvida, fazem com que as decepções sejam ainda mais esmagadoras.
Mas as grandes promessas também nos fazem ser quem somos.
Os irmãos aparentemente se opunham às nossas intervenções no Iraque e no Afeganistão. Mas será que eles não teriam tido alguma outra queixa, alguma outra objeção, caso essas intervenções nunca tivessem ocorrido? Eles surgiram depois dos atentados terroristas de 11 de Setembro, cujos autores tinham muitos outros descontentamentos para justificar seus atos.
Para aqueles que têm a capacidade para exercitar sua fúria, justificativas não são difíceis de encontrar. Timothy McVeigh, responsável pelo atentado a bomba na cidade de Oklahoma, citou o ataque do governo dos EUA ao Ramo Davidiano, em Waco, no Texas, como um dos motivos que impulsionaram suas ações. Ele não era nem muçulmano nem imigrante, apenas desequilibrado – caracterização que também se aplica a Anders Behring Breivik, que culpou a aceitação do multiculturalismo na Europa pelo assassinato, orquestrado por ele, de 77 pessoas na Noruega em 2011. O terrorismo não é um flagelo que apenas nós, norte-americanos, suportamos – e ele raramente tem a ver com uma única motivação ou com algumas poucas motivações.
Nossa insistência em tentar detectar padrões e semelhanças e obter algum tipo de entendimento pressupõe a existência de racionalidade e coerência nesses massacres. Mas a diferença entre os jovens alienados e sem rumo que não plantam bombas nem abrem fogo no meio de multidões desavisadas – que são a grande maioria – e aqueles que praticam esses atos provavelmente está menos relacionada a um discreto processo de radicalização, que podemos definir e erradicar, do que a uma dose, às vezes alta, de pura loucura. E não há antídoto fácil para isso. Muito menos um amuleto contra esse tipo de loucura.
Há também um perigo embutido no experimento norte-americano, cuja própria natureza nos deixa expostos. Nossa diversidade, que é corretamente valorizada, pode transformar o desafio de fazer as pessoas se sentirem parte de uma comunidade muito mais difícil. Nossa sorte e liderança significam que nós seremos não apenas invejados pelo restante do mundo, mas também criticados.
O FBI desviou seu olhar do mais velho dos irmãos Tsarnaev após não ter conseguido detectar nenhum sinal de alarme conclusivo, pois é isso que o governo deve fazer na ausência de informações mais precisas. Nós não queremos que o governo vá longe demais ao espionar nossas vidas. Isso significa que o governo provavelmente deixará passar algumas coisas.
Nós podemos e vamos descobrir pequenas maneiras para nos sentir mais seguros, mas temos de aceitar a realidade de que nunca estaremos completamente seguros – não com a navegação irrestrita na internet. Nem com a Segunda Emenda. Nem com a privacidade que esperamos ter. Nem com a liberdade que exigimos.
Esse é o acordo que firmamos. Ele é imperfeito, mas é o caminho certo.
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