A Papuda virou a casa da mãe joana, mas regime semiaberto não é isso, não. Ou: Os dias de "regime fechado" dos mensaleliros foram, na verdade, abertíssimos"
Reinaldo Azevedo - VEJA
Na minha coluna na
Folha desta sexta, escrevi: “Alguns dos nossos cronistas precisam ler.
Outros precisam ler Padre Vieira”. Só se ofende quem não lê. Vejam bem: o
universo das coisas que a gente não lê é incomensurável. É preciso
fazer escolhas, que são pautadas pela profissão, pelo gosto pessoal,
pela necessidade, sei lá. Dou um exemplo: se o sujeito vai escrever
sobre regime aberto ou semiaberto de prisão, por exemplo, precisa ler a Lei 7.210.
Não é recomendável que saia por aí feito o Coelho do Bambi, gritando
“Fogo, fogo na floresta!”. A coisa nem dá tanto trabalho assim.
Por que isso? Porque os dois dias e meio que os mensaleiros passaram em suposto regime fechado só escandalizam ou a) os que não sabem o que é um regime semiaberto ou b) os pilantras. A estes, não há muito o que explicar. Estão, digamos, trabalhando…
As
condições especiais que foram garantidas aos mensaleiros em São Paulo,
em Belo Horizonte e, depois, na Papuda são superiores aos benefícios do
regime semiaberto — onde ele existe ao menos. É outra farsa grotesca
essa história de que Joaquim Barbosa lhes negou direitos essenciais e
coisa e tal.
A prisão
em regime semiaberto tem regras de vigilância que são um pouco mais
relaxadas do que as do regime fechado, e os presos contam com algumas
regalias de que não gozam os do regime fechado. Ocorre que há
precondições. Não e a casa da mãe joana — que é no que se transformou a
Papuda dos mensaleiros. Trata-se, reitero, de regime fechado também.
Seria conveniente, aliás, mudar o nome. Eu classificaria assim: Regime
Fechado I e Regime Fechado II — deixo à escolha se o mais severo é um ou
outro. Basta definir.
Vamos ver o que está escrito na lei. Transcrevo trecho. Volto depois.
Art. 120.
Os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto e os
presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento,
mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos:
I – falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão;
II – necessidade de tratamento médico (parágrafo único do artigo 14).
Parágrafo único. A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso.
Art. 121. A permanência do preso fora do estabelecimento terá a duração necessária à finalidade da saída.
SUBSEÇÃO II
Da Saída Temporária
Art. 122. Os condenados que cumprem pena
em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do
estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I – visita à família;
II – frequência a curso supletivo
profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na
Comarca do Juízo da Execução;
III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Parágrafo único. A ausência de vigilância
direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica
pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.
Art.
123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução,
ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e
dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:
I – comportamento adequado;
II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;
III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
Art. 124. A
autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias,
podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.
Parágrafo único. Quando se tratar de
freqüência a curso profissionalizante, de instrução de 2º grau ou
superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das
atividades discentes.
§ 1o Ao conceder a saída temporária, o
juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que
entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal
do condenado:
I – fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício;
II – recolhimento à residência visitada, no período noturno;
III – proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
§ 2o Quando se tratar de frequência a
curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior, o
tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades
discentes.
§ 3o Nos demais casos, as autorizações de
saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 (quarenta e
cinco) dias de intervalo entre uma e outra.
Art. 125. O
benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar
fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender
as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de
aproveitamento do curso.
Parágrafo único. A recuperação do direito à
saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do
cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do
condenado.
Retomo
Como se pode ler acima, não basta pedir
pra sair e dar no pé. Vejam ali o que diz o Artigo 123 — o benefício só é
concedido depois de cumprido pelo menos um sexto da pena. E o preso tem
de ter bom comportamento. Não pode, por exemplo, fazer comício na
cadeia. A atividade exercida fora da prisão tem de obedecer aos
objetivos da ressocialização.
Vamos ver…
Se o Zé, por exemplo, o Dirceu, quiser sair “para trabalhar”, e se esse
“trabalho” for a sua atividade de lobista, convenham… Isso não
ressocializa, né? Corre até o risco de ganhar o bilhete para uma nova
temporada na Papuda, sabem como é… Se, por outro lado, o Zé decidir
trabalhar como jardineiro em canteiros públicos, aí pode ser. Ele teria a
oportunidade de ser, finalmente, apresentado ao trabalho. Pode ser uma
experiência transformadora. Imaginem a manchete: “Dirceu está
trabalhando”.
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