Steven Lee Myers - NYT
Dmitri Sharomov/Greenpeace/via Reuters
O britânico Iain Rogers, um dos 30 ativistas do Greenpeace detidos após um protesto no Ártico, participa de audiência no tribunal da cidade de Murmansk, na Rússia
Gizem Akhan, 24, estava prestes a iniciar o último ano do curso de artes culinárias da Universidade Yeditepe, em Istambul. Tomasz Dziemianczuk, 36, tirou férias de seu trabalho como assessor cultural na Universidade de Gdansk, na Polônia – férias que agora se transformaram inesperadamente em uma licença não remunerada.
Dmitry Litvinov, 51, é um ativista veterano que, na infância, passou quatro anos exilado na Sibéria depois que seu pai, Pavel, participou de um protesto na Praça Vermelha contra a invasão soviética da Tchecoslováquia, em 1968.
"Eu não esperava que eles fossem colocar as garras no meu filho", disse o pai de Litvinov, em entrevista por telefone concedida a partir de Irvington, no estado de Nova York. Pavel Litvinov se estabeleceu nos Estados Unidos e conseguiu um emprego como professor de física em Tarrytown, cidade localizada nos arredores de Irvington, após ser expulso da União Soviética em 1974.
Dmitry Litvinov e os outros são apenas três das 30 pessoas que estavam a bordo de um navio do Greenpeace Internacional, o Arctic Sunrise, e que agora estão confinadas em celas separadas na cidade de Murmansk, localizada no extremo norte da Rússia, após realizarem, no mês passado, um protesto em alto-mar contra a exploração de petróleo no Ártico. Todos eles foram acusados criminalmente e podem ser sentenciados a vários anos de prisão como resultado de terem subestimado grosseiramente a disposição da Rússia em reafirmar – e até ampliar – sua soberania em uma região potencialmente rica em recursos naturais.
A resposta legal enérgica das autoridades russas, incluindo a apreensão do próprio navio, parece ter pegado o Greenpeace desprevenido, e deixou as famílias e os amigos dos membros da tripulação preocupados com a possibilidade de que as consequências do que os ativistas consideravam um protesto pacífico venham a ser muito mais sérias do que qualquer um esperava no momento da partida.
"Naturalmente, todas as vezes que Gizem sai para participar de um protesto eu fico ansiosa", disse a mãe de Akhan, Tulay, em respostas escritas e obtidas por intermédio do Greenpeace. "Eu sou mãe e, na maioria das vezes, ela sequer nos conta que está participando dos protestos. Eu conheço os riscos, mas não poderia ter previsto que iríamos ficar cara a cara com tamanha injustiça".
Críticos do governo do presidente Vladimir V. Putin incluíram a tripulação do Arctic Sunrise em uma lista de prisioneiros mantidos pelo país e que enfrentaram punições desproporcionais ou politicamente motivadas por terem desafiado o governo. Entre esses prisioneiros estão o ex-magnata do petróleo, Mikhail B. Khodorkovsky, as roqueiras da banda punk Pussy Riot e os manifestantes que participaram de protestos violentos no dia da posse de Putin, em 2012, e que estão aguardando julgamento há mais de um ano.
Mas há uma diferença crucial entre eles: a maioria dos que estavam a bordo do Arctic Sunrise é composta por estrangeiros.
Eles são originários de 18 países. Dois deles, Denis Sinyakov, da Rússia, e Kieron Bryan, da Grã-Bretanha, são jornalistas independentes que se juntaram ao grupo para narrar a jornada do navio, que começou em Amsterdã e terminou 19 de setembro, quando os guardas de fronteira russos, apoiados por helicópteros, desceram no navio no Mar de Pechora.
A britânica Alexandra Harris, 27, estava em sua primeira viagem ao Ártico. Camila Speziale, 21, da Argentina, fazia sua primeira viagem marítima. Outros eram ativistas veteranos do Greenpeace, incluindo o capitão norte-americano, Peter Willcox, que era capitão do Rainbow Warrior em 1985, quando agentes do serviço secreto francês bombardearam o navio no cais de Auckland, na Nova Zelândia, o que provocou o afogamento do fotógrafo Fernando Pereira.
Os ativistas sabiam que o protesto era arriscado. Dois deles, Sini Saarela, da Finlândia, e Marco Weber, da Suíça, tentaram escalar a plataforma de petróleo localizada no Mar de Pechora, de propriedade da Gazprom, a gigante estatal russa do setor de energia.
Os dois caíram nas águas geladas depois que guardas pulverizaram água sobre eles com a ajuda de mangueiras de incêndio e dispararam tiros de advertência. Em seguida, eles foram arrancados do mar por um navio da guarda costeira russa e mantidos como "convidados". No dia seguinte, 19 de setembro, no entanto, o Arctic Sunrise foi apreendido por guardas de fronteira em águas internacionais.
O Greenpeace realizou um protesto semelhante, mas mais bem sucedido, durante o verão de 2012. Durante essa manifestação, os ativistas, incluindo o diretor-executivo do Greenpeace, Kumi Naidoo, escalaram a mesma plataforma e abriram uma faixa. Depois de várias horas, eles foram embora, e as autoridades russas não apresentaram nenhuma acusação contra os manifestantes.
As autoridades demonstraram poucos sinais de leniência desde a apreensão do navio, apesar de o Greenpeace ter promovido uma campanha internacional para chamar a atenção para as acusações e de a Eni, a gigante petrolífera da Itália e parceira da Gazprom, ter feito um apelo pedido clemência em nome da tripulação, que inclui um cidadão italiano, Cristian D' Alessandro.
A acusações contra os membros da tripulação do Arctic Sunrise pontuaram as advertências de Putin, segundo as quais ele não toleraria nenhuma violação ao desenvolvimento de projetos da Rússia no Ártico. A região se transformou no foco da estratégia política e econômica do Kremlin, num momento que seus recursos naturais se tornaram mais acessíveis devido ao aquecimento do clima da Terra.
Quando o governo da Holanda, país onde o Greenpeace Internacional está sediado, apresentou um recurso ao Tribunal Internacional do Direito Marítimo para que o navio e a tripulação fossem libertados, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que não reconheceria a jurisdição do tribunal, pois a situação envolve a soberania da Rússia. Apesar disso, o tribunal agendou uma audiência sobre a solicitação holandesa, mas a menos que a Rússia busque uma solução conciliatória que liberte os prisioneiros, a tripulação poderá ficar detida durante meses à espera de julgamento.
Os ativistas do Greenpeace e sua causa não conseguiram atrair muita simpatia na Rússia. Isso se deve, em parte, ao fato de eles terem sido retratados de forma hostil pela cobertura da televisão estatal, que é controlada pelo governo. A Channel One, a principal rede de TV estatal russa, transmitiu recentemente uma análise na qual sugeria que o protesto do Greenpeace foi orquestrado por aliados poderosos, que dispõem de incentivos econômicos, com a finalidade de minar a Gazprom.
Após sua prisão formal, em 24 de setembro, os membros da tripulação apareceram, um por um, diante do tribunal e foram acusados de pirataria e tiveram sua prisão prorrogada até pelo menos 24 de novembro. Um por um, seus pedidos de fiança foram negados. Na semana passada, o comitê investigativo regional reduziu as acusações a vandalismo, um crime que, no entanto, acarreta uma pena de até sete anos de prisão.
A comissão levantou a possibilidade de novas acusações contra alguns membros da tripulação, que poderiam resultar em sentenças mais longas no momento de sua condenação.
De acordo com o Greenpeace e os parentes dos ativistas, os prisioneiros não foram maltratados no centro de detenção onde eles estão presos, que fica próximo ao necrotério de Murmansk. Eles tiveram acesso a advogados e a diplomatas de seus respectivos países. Eles têm permissão para receber pacotes com itens de cuidados pessoais entregues pelo Greenpeace, a fazer telefonemas ocasionais e a receber visitas esporádicas dos parentes que são capazes de viajar até Murmansk. O capitão e o engenheiro-chefe foram levados para visitar e inspecionar o Arctic Sunrise, que agora está atracado no porto de Murmansk. No entanto, as condições na prisão são cruéis.
Em cartas ou ligações telefônicas para as suas famílias, os prisioneiros disseram que as celas são pequenas e sem calefação, as refeições são pouco apetitosas e seus companheiros de cela russos fumam sem parar. Eles passam 23 horas por dia dentro de suas celas e têm direito a apenas uma hora de exercício por dia, em um pátio fechado, além das visitas periódicas de advogados ou das idas aos tribunal para as audiências.
"Está muito frio agora", escreveu Harris, a ativista da Grã-Bretanha que estava em sua primeira operação pelo Greenpeace no Ártico, em uma carta endereçada a seus pais e irmão, que foi amplamente divulgada pela imprensa britânica: "nevou na noite passada. A nevasca quebrou a minha janela, que já tinha um isolamento térmico muito ruim, e eu tive que dormir com o meu chapéu na cabeça".
Na carta ela também disse que adotou medidas para estimular sua determinação e resiliência, ao praticar ioga em sua cela e batucar na parede acompanhando a música ambiente Mas ela também menciona suas incertezas em relação ao confinamento, que ela comparou a uma morte lenta. "Ouvi dizer que, a partir de dezembro, Murmansk fica no escuro durante seis semanas", escreveu ela. "Meu Deus, eu espero estar fora daqui até lá".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
O britânico Iain Rogers, um dos 30 ativistas do Greenpeace detidos após um protesto no Ártico, participa de audiência no tribunal da cidade de Murmansk, na Rússia
Gizem Akhan, 24, estava prestes a iniciar o último ano do curso de artes culinárias da Universidade Yeditepe, em Istambul. Tomasz Dziemianczuk, 36, tirou férias de seu trabalho como assessor cultural na Universidade de Gdansk, na Polônia – férias que agora se transformaram inesperadamente em uma licença não remunerada.
Dmitry Litvinov, 51, é um ativista veterano que, na infância, passou quatro anos exilado na Sibéria depois que seu pai, Pavel, participou de um protesto na Praça Vermelha contra a invasão soviética da Tchecoslováquia, em 1968.
"Eu não esperava que eles fossem colocar as garras no meu filho", disse o pai de Litvinov, em entrevista por telefone concedida a partir de Irvington, no estado de Nova York. Pavel Litvinov se estabeleceu nos Estados Unidos e conseguiu um emprego como professor de física em Tarrytown, cidade localizada nos arredores de Irvington, após ser expulso da União Soviética em 1974.
Dmitry Litvinov e os outros são apenas três das 30 pessoas que estavam a bordo de um navio do Greenpeace Internacional, o Arctic Sunrise, e que agora estão confinadas em celas separadas na cidade de Murmansk, localizada no extremo norte da Rússia, após realizarem, no mês passado, um protesto em alto-mar contra a exploração de petróleo no Ártico. Todos eles foram acusados criminalmente e podem ser sentenciados a vários anos de prisão como resultado de terem subestimado grosseiramente a disposição da Rússia em reafirmar – e até ampliar – sua soberania em uma região potencialmente rica em recursos naturais.
A resposta legal enérgica das autoridades russas, incluindo a apreensão do próprio navio, parece ter pegado o Greenpeace desprevenido, e deixou as famílias e os amigos dos membros da tripulação preocupados com a possibilidade de que as consequências do que os ativistas consideravam um protesto pacífico venham a ser muito mais sérias do que qualquer um esperava no momento da partida.
"Naturalmente, todas as vezes que Gizem sai para participar de um protesto eu fico ansiosa", disse a mãe de Akhan, Tulay, em respostas escritas e obtidas por intermédio do Greenpeace. "Eu sou mãe e, na maioria das vezes, ela sequer nos conta que está participando dos protestos. Eu conheço os riscos, mas não poderia ter previsto que iríamos ficar cara a cara com tamanha injustiça".
Críticos do governo do presidente Vladimir V. Putin incluíram a tripulação do Arctic Sunrise em uma lista de prisioneiros mantidos pelo país e que enfrentaram punições desproporcionais ou politicamente motivadas por terem desafiado o governo. Entre esses prisioneiros estão o ex-magnata do petróleo, Mikhail B. Khodorkovsky, as roqueiras da banda punk Pussy Riot e os manifestantes que participaram de protestos violentos no dia da posse de Putin, em 2012, e que estão aguardando julgamento há mais de um ano.
Mas há uma diferença crucial entre eles: a maioria dos que estavam a bordo do Arctic Sunrise é composta por estrangeiros.
Eles são originários de 18 países. Dois deles, Denis Sinyakov, da Rússia, e Kieron Bryan, da Grã-Bretanha, são jornalistas independentes que se juntaram ao grupo para narrar a jornada do navio, que começou em Amsterdã e terminou 19 de setembro, quando os guardas de fronteira russos, apoiados por helicópteros, desceram no navio no Mar de Pechora.
A britânica Alexandra Harris, 27, estava em sua primeira viagem ao Ártico. Camila Speziale, 21, da Argentina, fazia sua primeira viagem marítima. Outros eram ativistas veteranos do Greenpeace, incluindo o capitão norte-americano, Peter Willcox, que era capitão do Rainbow Warrior em 1985, quando agentes do serviço secreto francês bombardearam o navio no cais de Auckland, na Nova Zelândia, o que provocou o afogamento do fotógrafo Fernando Pereira.
Os ativistas sabiam que o protesto era arriscado. Dois deles, Sini Saarela, da Finlândia, e Marco Weber, da Suíça, tentaram escalar a plataforma de petróleo localizada no Mar de Pechora, de propriedade da Gazprom, a gigante estatal russa do setor de energia.
Os dois caíram nas águas geladas depois que guardas pulverizaram água sobre eles com a ajuda de mangueiras de incêndio e dispararam tiros de advertência. Em seguida, eles foram arrancados do mar por um navio da guarda costeira russa e mantidos como "convidados". No dia seguinte, 19 de setembro, no entanto, o Arctic Sunrise foi apreendido por guardas de fronteira em águas internacionais.
O Greenpeace realizou um protesto semelhante, mas mais bem sucedido, durante o verão de 2012. Durante essa manifestação, os ativistas, incluindo o diretor-executivo do Greenpeace, Kumi Naidoo, escalaram a mesma plataforma e abriram uma faixa. Depois de várias horas, eles foram embora, e as autoridades russas não apresentaram nenhuma acusação contra os manifestantes.
As autoridades demonstraram poucos sinais de leniência desde a apreensão do navio, apesar de o Greenpeace ter promovido uma campanha internacional para chamar a atenção para as acusações e de a Eni, a gigante petrolífera da Itália e parceira da Gazprom, ter feito um apelo pedido clemência em nome da tripulação, que inclui um cidadão italiano, Cristian D' Alessandro.
A acusações contra os membros da tripulação do Arctic Sunrise pontuaram as advertências de Putin, segundo as quais ele não toleraria nenhuma violação ao desenvolvimento de projetos da Rússia no Ártico. A região se transformou no foco da estratégia política e econômica do Kremlin, num momento que seus recursos naturais se tornaram mais acessíveis devido ao aquecimento do clima da Terra.
Quando o governo da Holanda, país onde o Greenpeace Internacional está sediado, apresentou um recurso ao Tribunal Internacional do Direito Marítimo para que o navio e a tripulação fossem libertados, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que não reconheceria a jurisdição do tribunal, pois a situação envolve a soberania da Rússia. Apesar disso, o tribunal agendou uma audiência sobre a solicitação holandesa, mas a menos que a Rússia busque uma solução conciliatória que liberte os prisioneiros, a tripulação poderá ficar detida durante meses à espera de julgamento.
Os ativistas do Greenpeace e sua causa não conseguiram atrair muita simpatia na Rússia. Isso se deve, em parte, ao fato de eles terem sido retratados de forma hostil pela cobertura da televisão estatal, que é controlada pelo governo. A Channel One, a principal rede de TV estatal russa, transmitiu recentemente uma análise na qual sugeria que o protesto do Greenpeace foi orquestrado por aliados poderosos, que dispõem de incentivos econômicos, com a finalidade de minar a Gazprom.
Após sua prisão formal, em 24 de setembro, os membros da tripulação apareceram, um por um, diante do tribunal e foram acusados de pirataria e tiveram sua prisão prorrogada até pelo menos 24 de novembro. Um por um, seus pedidos de fiança foram negados. Na semana passada, o comitê investigativo regional reduziu as acusações a vandalismo, um crime que, no entanto, acarreta uma pena de até sete anos de prisão.
A comissão levantou a possibilidade de novas acusações contra alguns membros da tripulação, que poderiam resultar em sentenças mais longas no momento de sua condenação.
De acordo com o Greenpeace e os parentes dos ativistas, os prisioneiros não foram maltratados no centro de detenção onde eles estão presos, que fica próximo ao necrotério de Murmansk. Eles tiveram acesso a advogados e a diplomatas de seus respectivos países. Eles têm permissão para receber pacotes com itens de cuidados pessoais entregues pelo Greenpeace, a fazer telefonemas ocasionais e a receber visitas esporádicas dos parentes que são capazes de viajar até Murmansk. O capitão e o engenheiro-chefe foram levados para visitar e inspecionar o Arctic Sunrise, que agora está atracado no porto de Murmansk. No entanto, as condições na prisão são cruéis.
Em cartas ou ligações telefônicas para as suas famílias, os prisioneiros disseram que as celas são pequenas e sem calefação, as refeições são pouco apetitosas e seus companheiros de cela russos fumam sem parar. Eles passam 23 horas por dia dentro de suas celas e têm direito a apenas uma hora de exercício por dia, em um pátio fechado, além das visitas periódicas de advogados ou das idas aos tribunal para as audiências.
"Está muito frio agora", escreveu Harris, a ativista da Grã-Bretanha que estava em sua primeira operação pelo Greenpeace no Ártico, em uma carta endereçada a seus pais e irmão, que foi amplamente divulgada pela imprensa britânica: "nevou na noite passada. A nevasca quebrou a minha janela, que já tinha um isolamento térmico muito ruim, e eu tive que dormir com o meu chapéu na cabeça".
Na carta ela também disse que adotou medidas para estimular sua determinação e resiliência, ao praticar ioga em sua cela e batucar na parede acompanhando a música ambiente Mas ela também menciona suas incertezas em relação ao confinamento, que ela comparou a uma morte lenta. "Ouvi dizer que, a partir de dezembro, Murmansk fica no escuro durante seis semanas", escreveu ela. "Meu Deus, eu espero estar fora daqui até lá".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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