Alix Foucault - Le Monde
Joseph Eid/AFP
Soldados libaneses montam ponto de inspeção no subúrbio ao sul da capital Beirute: fronteira disputada
Os homens armados de fuzis no ponto de controle não se dão ao trabalho de inspecionar os carros. Há bandeiras do Hezbollah lado a lado com retratos de seu carismático líder, Hassan Nasrallah, do aiatolá Khomeini e do presidente sírio Bashar al-Assad. Aqui, cada rua de Dahiye, o subúrbio sul de Beirute, apoia o Partido de Deus xiita, que instalou no local seu quartel-general.
Na pequena sala de uma casa anônima de dois andares, um homem na faixa dos quarenta anos de idade, de cabelos curtos, olhos azuis e o rosto repleto de sardas, se apresenta com o nome de Abbas. É a única palavra que ele pronuncia antes de vestir uma balaclava. O Hezbollah proibiu formalmente seus combatentes de falarem com a imprensa. Mas Abbas abriu uma exceção. A entrevista pode começar.
"Em 1982, não havia ninguém para defender – os xiitas, ninguém sentia nossa dor, agora nós estamos organizados." Na época, o Líbano, devastado pela guerra civil, precisou enfrentar a invasão israelense. Abbas entrou então para o Hezbollah para recuperar sua "dignidade". Ao longo de batalhas, atentados e atos de violência, Abbas foi aprendendo o manejo de armas, até se tornar um soldado de elite da milícia xiita.
Em 2011, quando a guerra estourou na Síria, o Hezbollah tomou partido de Bashar al-Assad. Abbas, assim como outros voluntários, só espera o sinal verde do Partido de Deus para entrar em combate. Ele também quer proteger os locais santos xiitas, alvos de ataques dos jihadistas.
Foi a poucos quilômetros da fronteira libanesa, na cidade de Qusair, que Abbas e sua unidade ganharam notoriedade. Nas mãos dos rebeldes desde o início de 2012, a cidade vinha resistindo às tentativas de retomada pelo exército sírio. Qusair representava um ponto estratégico, pois ela se situa no eixo viário que liga Damasco ao litoral mediterrâneo. Essa batalha foi um teste: "Esse combate nos permitiu medir a qualidade dos inimigos que íamos enfrentar antes de nos engajarmos totalmente na Síria", resume Abbas.
O Hezbollah adotou uma técnica clássica: ele primeiro retomou os vilarejos vizinhos, depois o subúrbio de Qusair, para finalmente cercar os rebeldes e tentar suprimi-los na cidade. Abbas, com sua unidade, combateu nas ruas de Qusair "extremistas, bárbaros, que desmembravam e queimavam prisioneiros", fanáticos que eram "muito mais numerosos".
Os rebeldes islamitas fizeram de Qusair um bastião inatacável. Uma cidade de "trincheiras e fortificações" em um estilo que lembra Abbas das defesas do Hezbollah contra Israel. Ele também afirma que os "takfiristas" (apelido dado pelos xiitas aos jihadistas sunitas) vinham sendo preparados há mais de um ano para essa batalha: "Soldados determinados, organizados, com uma ideologia, e que não têm medo de morrer (...). Imagine, milhares de homens com armas na sua fronteira, como você se protegeria contra eles?"
Nessa luta, rua a rua, metro a metro, o centro da cidade onde se encontra a sede do governo municipal passou pelos combates mais árduos. Na verdade, o Hezbollah não perdia tantos homens como agora desde sua guerra contra Israel, em 2006. Os combates foram de uma rara violência, às vezes mesmo no corpo a corpo. "As trocas de tiros eram próximas, a 7, 10 ou 15 metros", diz Abbas. Cada unidade do Hezbollah era "designada para um determinado setor" e funcionava varrendo zona por zona. Em menos de três semanas, as tropas do Hezbollah retomaram totalmente o controle de Qusair e ali instalaram seu QG.
Quando perguntamos a Abbas "por que o exército sírio não conseguiu retomar Qusair sozinho, assim como certas regiões da Síria", é possível adivinhar um sorriso sob sua balaclava. Depois, em um tom seco, ele responde: "Não cabe a mim julgá-los". Ainda que o Hezbollah aja "de forma independente", ele está em "coordenação" com o exército regular. Mas este, que deveria proteger a retaguarda do Hezbollah, várias vezes deixou de cumprir sua tarefa. Membros do Hezbollah confirmam isso em entrevistas informais.
Abbas tenta assim mesmo limpar o nome do exército sírio. "Os combates em Qusair eram muito próximos, aconteceu de termos de lutar com armas brancas. Quando você abria uma porta, você podia explodir por conta de uma bomba. O exército regular – sírio – não recebe treinamento nesses métodos." O Hezbollah, em compensação, é mestre na arte da guerrilha.
Os pasdarans (guardiães da revolução, a força de elite da República Islâmica) enviados por Teerã deram às tropas de Bashar al-Assad cursos rápidos de combate urbano. Mas a questão da presença iraniana na Síria continua sendo delicada, quase um tabu. Ela enfurece Abbas: "Por que sempre falar da presença iraniana na Síria? Não são somente os iranianos, vamos falar de todo o mundo! Por que a Al-Qaeda está lá? Por que Al-Nusra – o braço sírio da Al-Qaeda – está lá? E o Estado Islâmico no Iraque e no Levante? E a Turquia e Arábia Saudita, elas também estão presentes". Abbas declara por fim que "o Irã não está envolvido diretamente nos combates", deixando de lado seu papel de conselheiro militar e de supervisor.
Para o Hezbollah, combater na Síria vai além da simples defesa do regime Assad. Trata-se de eliminar um possível "Afeganistão" na fronteira do Líbano e de "preservar a Síria" das "hordas" jihadistas. Abbas se pretende pragmático, ele "não espera que o degolem", ele prefere "degolar – os extremistas sunitas – antes". Abbas refuta a ideia de uma guerra religiosa entre xiitas e sunitas: para ele, é um combate conduzido contra "extremistas, sectários (...) com quem é impossível coabitar." A comunidade xiita libanesa teme ver "um país controlado pela Frente Al-Nusra".
Abbas, que se diz "disposto a defender o Líbano, desde a guerra na Síria até o Iraque", tem certeza de que a intervenção do Hezbollah "mudou a cara da região" e do conflito. Como resultado, o Líbano foi profundamente afetado, com inúmeros conflitos étnicos nos últimos meses e atentados sangrentos em Trípoli e Beirute. "Não veremos de imediato os frutos dessa intervenção estratégica", ele acredita.
Ele só lamenta que o Hezbollah não tenha intervindo mais cedo na Síria: "Nós entramos nessa batalha um pouco tarde, mas entramos e foi algo bom". Hoje, o Hezbollah está discretamente fazendo uma convocação maciça de suas tropas, como se a vitória do aliado Assad já fosse certa.
Tradutor: Lana Lim
Soldados libaneses montam ponto de inspeção no subúrbio ao sul da capital Beirute: fronteira disputada
Os homens armados de fuzis no ponto de controle não se dão ao trabalho de inspecionar os carros. Há bandeiras do Hezbollah lado a lado com retratos de seu carismático líder, Hassan Nasrallah, do aiatolá Khomeini e do presidente sírio Bashar al-Assad. Aqui, cada rua de Dahiye, o subúrbio sul de Beirute, apoia o Partido de Deus xiita, que instalou no local seu quartel-general.
Na pequena sala de uma casa anônima de dois andares, um homem na faixa dos quarenta anos de idade, de cabelos curtos, olhos azuis e o rosto repleto de sardas, se apresenta com o nome de Abbas. É a única palavra que ele pronuncia antes de vestir uma balaclava. O Hezbollah proibiu formalmente seus combatentes de falarem com a imprensa. Mas Abbas abriu uma exceção. A entrevista pode começar.
"Em 1982, não havia ninguém para defender – os xiitas, ninguém sentia nossa dor, agora nós estamos organizados." Na época, o Líbano, devastado pela guerra civil, precisou enfrentar a invasão israelense. Abbas entrou então para o Hezbollah para recuperar sua "dignidade". Ao longo de batalhas, atentados e atos de violência, Abbas foi aprendendo o manejo de armas, até se tornar um soldado de elite da milícia xiita.
Em 2011, quando a guerra estourou na Síria, o Hezbollah tomou partido de Bashar al-Assad. Abbas, assim como outros voluntários, só espera o sinal verde do Partido de Deus para entrar em combate. Ele também quer proteger os locais santos xiitas, alvos de ataques dos jihadistas.
Foi a poucos quilômetros da fronteira libanesa, na cidade de Qusair, que Abbas e sua unidade ganharam notoriedade. Nas mãos dos rebeldes desde o início de 2012, a cidade vinha resistindo às tentativas de retomada pelo exército sírio. Qusair representava um ponto estratégico, pois ela se situa no eixo viário que liga Damasco ao litoral mediterrâneo. Essa batalha foi um teste: "Esse combate nos permitiu medir a qualidade dos inimigos que íamos enfrentar antes de nos engajarmos totalmente na Síria", resume Abbas.
O Hezbollah adotou uma técnica clássica: ele primeiro retomou os vilarejos vizinhos, depois o subúrbio de Qusair, para finalmente cercar os rebeldes e tentar suprimi-los na cidade. Abbas, com sua unidade, combateu nas ruas de Qusair "extremistas, bárbaros, que desmembravam e queimavam prisioneiros", fanáticos que eram "muito mais numerosos".
Os rebeldes islamitas fizeram de Qusair um bastião inatacável. Uma cidade de "trincheiras e fortificações" em um estilo que lembra Abbas das defesas do Hezbollah contra Israel. Ele também afirma que os "takfiristas" (apelido dado pelos xiitas aos jihadistas sunitas) vinham sendo preparados há mais de um ano para essa batalha: "Soldados determinados, organizados, com uma ideologia, e que não têm medo de morrer (...). Imagine, milhares de homens com armas na sua fronteira, como você se protegeria contra eles?"
Nessa luta, rua a rua, metro a metro, o centro da cidade onde se encontra a sede do governo municipal passou pelos combates mais árduos. Na verdade, o Hezbollah não perdia tantos homens como agora desde sua guerra contra Israel, em 2006. Os combates foram de uma rara violência, às vezes mesmo no corpo a corpo. "As trocas de tiros eram próximas, a 7, 10 ou 15 metros", diz Abbas. Cada unidade do Hezbollah era "designada para um determinado setor" e funcionava varrendo zona por zona. Em menos de três semanas, as tropas do Hezbollah retomaram totalmente o controle de Qusair e ali instalaram seu QG.
Quando perguntamos a Abbas "por que o exército sírio não conseguiu retomar Qusair sozinho, assim como certas regiões da Síria", é possível adivinhar um sorriso sob sua balaclava. Depois, em um tom seco, ele responde: "Não cabe a mim julgá-los". Ainda que o Hezbollah aja "de forma independente", ele está em "coordenação" com o exército regular. Mas este, que deveria proteger a retaguarda do Hezbollah, várias vezes deixou de cumprir sua tarefa. Membros do Hezbollah confirmam isso em entrevistas informais.
Abbas tenta assim mesmo limpar o nome do exército sírio. "Os combates em Qusair eram muito próximos, aconteceu de termos de lutar com armas brancas. Quando você abria uma porta, você podia explodir por conta de uma bomba. O exército regular – sírio – não recebe treinamento nesses métodos." O Hezbollah, em compensação, é mestre na arte da guerrilha.
Os pasdarans (guardiães da revolução, a força de elite da República Islâmica) enviados por Teerã deram às tropas de Bashar al-Assad cursos rápidos de combate urbano. Mas a questão da presença iraniana na Síria continua sendo delicada, quase um tabu. Ela enfurece Abbas: "Por que sempre falar da presença iraniana na Síria? Não são somente os iranianos, vamos falar de todo o mundo! Por que a Al-Qaeda está lá? Por que Al-Nusra – o braço sírio da Al-Qaeda – está lá? E o Estado Islâmico no Iraque e no Levante? E a Turquia e Arábia Saudita, elas também estão presentes". Abbas declara por fim que "o Irã não está envolvido diretamente nos combates", deixando de lado seu papel de conselheiro militar e de supervisor.
Para o Hezbollah, combater na Síria vai além da simples defesa do regime Assad. Trata-se de eliminar um possível "Afeganistão" na fronteira do Líbano e de "preservar a Síria" das "hordas" jihadistas. Abbas se pretende pragmático, ele "não espera que o degolem", ele prefere "degolar – os extremistas sunitas – antes". Abbas refuta a ideia de uma guerra religiosa entre xiitas e sunitas: para ele, é um combate conduzido contra "extremistas, sectários (...) com quem é impossível coabitar." A comunidade xiita libanesa teme ver "um país controlado pela Frente Al-Nusra".
Abbas, que se diz "disposto a defender o Líbano, desde a guerra na Síria até o Iraque", tem certeza de que a intervenção do Hezbollah "mudou a cara da região" e do conflito. Como resultado, o Líbano foi profundamente afetado, com inúmeros conflitos étnicos nos últimos meses e atentados sangrentos em Trípoli e Beirute. "Não veremos de imediato os frutos dessa intervenção estratégica", ele acredita.
Ele só lamenta que o Hezbollah não tenha intervindo mais cedo na Síria: "Nós entramos nessa batalha um pouco tarde, mas entramos e foi algo bom". Hoje, o Hezbollah está discretamente fazendo uma convocação maciça de suas tropas, como se a vitória do aliado Assad já fosse certa.
Tradutor: Lana Lim
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