Paul Krugman - NYT
30.out.2013 - Charles Dharapak/AP
Americana usa faixa no braço onde se lê "Eu amo Obamacare". O presidente Barack Obama afirmou que "não estava contente" com os erros apresentados no site da reforma da saúde na internet e prometeu que os problemas serão resolvidos rapidamente
A boa notícia sobre o HealthCare.gov, o portal da bolsa de planos de saúde do Obamacare (a nova lei de saúde do presidente Barack Obama), é que o governo não está mais minimizando seus problemas. Esse é o primeiro passo para consertar o problema, e ele será consertado, apesar de ninguém saber se a nova promessa de um sistema funcionando direito até o final de novembro será cumprida. Afinal, nós sabemos que o Obamacare é viável, já que muitos Estados que optaram por administrar suas próprias bolsas de planos de saúde estão se saindo muito bem.Mas, enquanto esperamos pelos técnicos fazerem sua parte, vamos fazer uma pergunta relacionada: por que isso teve que ser tão complicado para começar?
É verdade que a Lei de Atendimento de Saúde a Preço Acessível não é tão complexa quanto seus oponentes alegam. Basicamente, ela exige que as seguradoras ofereçam os mesmos planos para todos; ela exige que cada indivíduo compre um desses planos (a obrigatoriedade individual); e oferece subsídios, dependendo da renda, para manter os planos a preços acessíveis.
Mesmo assim, há muita coisa que as pessoas precisam fazer. Elas não apenas precisam escolher suas seguradoras e planos, como também precisam fornecer muita informação pessoal para que o governo possa determinar o tamanho de seus subsídios. E o programa precisa integrar toda essa informação e chegar a todas as partes relevantes --o que ainda não está acontecendo no site federal.
Agora, imagine um sistema mais simples, no qual o governo apenas pague suas principais despesas médicas. Nesse sistema hipotético, você não teria que sair à procura de um plano, nem teria que fornecer muitos detalhes pessoais. O governo seria a seguradora e você estaria automaticamente coberto, por ser um americano.
É claro, nós não precisamos imaginar esse sistema, porque ele já existe. Ele se chama Medicare, e cobre todos os americanos com 65 anos ou mais e é enormemente popular. Por que simplesmente não estendemos esse sistema para fornecer cobertura a todos?
A resposta aproximada é política: o Medicare para todos não aconteceria, dado tanto o poder do setor de planos de saúde quanto a relutância dos trabalhadores que contam com bons planos fornecidos por seus empregadores de trocá-los por algo novo. Diante dessas realidades políticas, a Lei de Atendimento de Saúde a Preço Acessível provavelmente foi o máximo que conseguiríamos --e, não se engane, ela melhorará enormemente a vida de dezenas de milhões de americanos.
Mesmo assim, permanece o fato da Obamacare ser um enorme remendo --uma estrutura feia e desajeitada que mais ou menos resolve o problema, mas de forma ineficaz.
O fato é que soluções ruins, mas melhores que nada, se tornaram a norma na governança americana. Como colocou Steven Teles, da Universidade Johns Hopkins, em um recente ensaio, nós nos transformamos na "remendocracia". E o principal motivo para isso estar acontecendo, eu acho, é a ideologia.
Para entender o que quero dizer, veja as exigências constantes que fazemos para tornar o Medicare --que precisa trabalhar mais arduamente para controlar custos, mas faz um trabalho melhor nessa frente do que as seguradoras privadas-- tanto mais complicado quanto pior. Há exigência para determinar a renda da pessoa, o que envolveria a coleta de toda a informação pessoal que a Obamacare precisa, mas o Medicare não. Há pressão para elevação da idade do Medicare, forçando americanos de 65 e 66 anos a lidarem com planos de saúde privados.
E os republicanos ainda sonham em desmontar o Medicare como o conhecemos, dando aos idosos vales para compra de planos de saúde privados. Na prática, apesar de que nunca diriam isso, eles querem converter o Medicare no Obamacare.
Por que iríamos querer fazer qualquer uma dessas coisas? Você poderia dizer, para reduzir o fardo sobre os contribuintes --mas o Medicare é mais barato do que um plano de saúde privado, de modo que aquilo que os contribuintes ganhariam minando o programa seria mais que perdido nos valores mais caros dos planos de saúde. E nem está claro que os gastos do governo diminuiriam: o Escritório de Orçamento do Congresso concluiu recentemente que a elevação da idade do Medicare resultaria em quase nenhuma economia federal.
Não, o ataque ao Medicare trata-se realmente de uma ideologia que é fundamentalmente hostil à ideia do governo ajudar as pessoas, e tenta tornar qualquer ajuda dada na mais limitada e indireta possível, restringindo sua amplitude e fornecida por meio de empresas privadas. E essa ideologia, em seu nível mais fundamental --ainda mais fundamental do que os interesses escusos-- é o motivo para a Obamacare ter se transformado em um remendo tão complicado.
Ao dizer isso, eu não estou isentando as autoridades e empresas contratadas responsáveis pela confusão do primeiro mês da reforma da saúde. Nem, por outro lado, estou sugerindo que a reforma da saúde deveria ter esperado até que o sistema político estivesse pronto para um único pagador. Por ora, a prioridade é fazer esse remendo funcionar, e assim que estiver, os Estados Unidos se transformarão em um lugar melhor.
Mas, a longo prazo, nós temos que resolver essa questão da ideologia. Uma sociedade comprometida com a noção de que o governo é sempre ruim terá um governo ruim. Mas não precisa ser assim.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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