Thomas Erdbrink - NYT
Marina Mesquita/Folhapress
Bonecos representando diplomatas americanos são expostos em "sala de vidro", que era uma estrutura construída à prova de escutas na antiga Embaixada dos EUA, em Teerã
Poeirento, dilapidado e ofuscado pelos modernos arranha-céus da capital iraniana, o antigo edifício Embaixada dos Estados Unidos no Irã está localizado em um grande complexo no centro de Teerã. A construção é um símbolo esquecido do que parece ser, cada vez mais, uma época remota.Um capacho sujo, com as palavras "Abaixo os EUA" escritas com tinta spray, encontra-se na entrada do que já foi o centro do poder norte-americano no Irã. Uma estátua de espuma, pintada em bronze e retratando um fuzileiro naval dos EUA se rendendo a estudantes iranianos, foi colocada ao lado do portão.
Conhecida aqui como "o covil dos espiões", a embaixada está cercada por altos muros de tijolos encimados por uma cerca de ferro enferrujado. No interior do prédio, o carpete amarelo vivo que reveste o chão da sala de comunicações secretas não foi alterado desde que estudantes islâmicos radicais invadiram o prédio, em 1979, e levaram 66 reféns norte-americanos, provocando uma crise que durou 444 dias.
As placas de circuito empoeiradas e os telefones de baquelite preto (daqueles com disco) levados dos norte-americanos durante a crise foram devolvidos e colocados em exposição. Os objetos são relíquias de museu para os atuais ocupantes do local – jovens paramilitares armados com smartphones, membros da milícia Basij, que tem uma base no complexo.
Jornalistas estrangeiros foram autorizados a dar uma rara olhada dentro do complexo na quinta-feira passada, em antecipação ao aniversário do 4 de novembro de 1979, data da invasão e da tomada dos reféns. O dia será comemorado com manifestações organizadas pelo governo iraniano, quando "Morte à América", como sempre, será a principal palavra de ordem.
"Antes desse momento, eram os EUA que ditavam a história dos países", disse Mohammad Reza Soghigi, que guiou os jornalistas estrangeiros durante a visita ao local. "Após a invasão da embaixada, o Irã é que passou a ditar a história dos EUA".
Para os iranianos linha-dura, a embaixada é um símbolo do poder duradouro da Revolução Islâmica. Mas a atmosfera em Teerã mudou desde que o reformista Hassan Rouhani substituiu seu antecessor linha-dura, Mahmoud Ahmadinejad, na presidência do país. Para muitos aqui, a embaixada é uma relíquia cujo prazo de validade já expirou há muito tempo.
"Todas essas coisas são velhas", disse Mehdi Zohari, eletricista de 31 anos e membro da milícia Basij. "Talvez seja a hora de nos esquecermos de tudo isso".
Bebendo chá sentado em uma cadeira de plástico no jardim do complexo, que é cercado por rosas, Soghigi, ele próprio um Basij, não se mostrava disposto a esquecer. Ele estava folheando o livro "The Giant Crippled" ("O Gigante Aleijado", em tradução livre), escrito após a revolução para documentar o enfraquecimento do poder dos Estados Unidos.
"Você sabia que um em cada dois casamentos nos EUA termina em divórcio?", perguntou Soghigi, apontando para o livro, escrito por um conhecido escritor iraniano, Ahmad Toloie. "Os EUA são um paraíso para os criminosos, mas as pessoas pobres têm que viver nas ruas por lá. Essas coisas são interessantes".
À distância, as buzinas do trânsito sempre congestionado de Teerã preenchiam o ar enquanto Soghigi, vestindo um terno marrom, pegava um repórter pelo braço e lhe mostrava fileiras e fileiras de cartazes louvando as conquistas iranianas.
"Você sabia que o Irã é o quinto maior produtor mundial de medicamentos para a coagulação do sangue?", perguntou ele. "Nós somos. E nós também somos o terceiro maior do mundo quando se trata de transformar gás em combustível líquido".
O Irã prosperou depois da revolução e da invasão da embaixada, argumentou Soghigi, mas os Estados Unidos apenas rolaram ainda mais ladeira abaixo. "Agora olhe para os EUA", disse ele, enquanto passava por outra fileira de cartazes, esses mostrando os "crimes" norte-americanos no Iraque, na Guatemala, na Nicarágua, no Chile e em outros países.
"Essa é a verdadeira face da América", disse ele, parando diante de em um desenho da Estátua da Liberdade com um nariz adunco e um sorriso diabólico, que foi rotulada como "Satanás".
Mais adiante viam-se retratos de homens descritos como "norte-americanos corajosos" que protestaram contra os Estados Unidos. Dentre eles, o francês Roger Garaudy, que nega a existência do Holocausto, e o cantor, compositor e ator Harry Belafonte. "Ele era contra a guerra do Iraque", explicou Soghigi.
"Venham, venham, vocês precisam ver isso", disse ele animadamente, batendo na porta de um cofre e nos chamando do alto da grande escadaria que leva ao segundo andar do prédio. "Este é o lugar onde a CIA mantinha uma ala secreta".
Sala após sala cheias de aparelhos de escuta e equipamentos de espionagem, descobertas pelos revolucionários raivosos há 34 anos, foram agora abertas ao público. Uma das salas inclui uma caixa de vidro dentro da qual os diplomatas podiam manter conversas altamente sigilosas sem medo de serem ouvidos.
"Isso mostra que nós estávamos certos ao invadir a embaixada. Caso contrário, nós teríamos acabado como o Egito", disse Mohammad Reza Cheraghi, 30, voluntário Basij. Ele disse que a CIA foi bem sucedida ao impedir que a Irmandade Muçulmana tomasse o poder no Egito e ao conduzir o exército de volta ao poder.
Enquanto as teorias políticas eram explicadas em detalhes, homens usando óculos de sol da marca Oakley e com dreadlocks nos cabelos entraram na antiga ala secreta da CIA e começaram a tirar fotografias. "Quem são esses caras? Eles são suspeitos", sussurrou um dos alunos para seu amigo.
Mas, depois de uma rápida conversa com o guia iraniano, descobriu-se que os homens eram membros da banda venezuelana Bituaya, que estava em turnê em Teerã. Um dos músicos levantou os longos dreadlocks e mostrou uma foto do líder venezuelano Hugo Chávez, que morreu em março deste ano. Em seguida, os Basij decidiram tirar uma fotografia com a banda diante da frente da sala da caixa de vidro.
"Essa foi a iniciativa de uma nação soberana", disse um dos membros da banda sobre a invasão iraniana da embaixada. "Nós não faríamos isso em nosso país, mas fico feliz por eles".
Soghigi não negligenciou a relevância das relíquias para o atual debate relacionado às operações de espionagem realizadas pela NSA (Agência Nacional de Segurança, em inglês). "Agora os norte-americanos estão até mesmo espionando seus aliados", disse ele, talvez se esquecendo de que o governo do xá Mohammed Reza Pahlavi era aliado dos EUA.
Mas nem todos os visitantes se mostraram tão entusiasmados em criticar os Estados Unidos quanto Soghigi. Para alguns, a embaixada se assemelha mais a um museu do que com um "covil de espiões".
"Será que os EUA ainda são nossos inimigos?", perguntou Zohari, o eletricista. Embora ele não tenha dúvida de que os Estados Unidos são culpados de muitos crimes, ele disse que o país também usou seu conhecimento e poder para promover avanços nas áreas de ciência e tecnologia.
"Mas olhe para a Arábia Saudita, país que é nosso inimigo regional", disse ele. "Eles só ficam comprando armas. Talvez fosse melhor nós ocuparmos a embaixada deles". E ele acrescentou que gostaria de emigrar para os Estados Unidos. Na residência do ex-embaixador, que agora é o escritório de um importante general da Basij, gatos de rua tomam sol.
"Eles davam suas festas ao lado da piscina", disse Pouria – um soldado recrutado que deixou o serviço militar há seis meses, mas que não quis fornecer seu nome completo por medo de ser punido por seus superiores, referindo-se aos antigos ocupantes do complexo. "Este é um belo lugar", disse ele. "Mas, aconteça o que acontecer, eu não acredito que os norte-americanos retornarão para cá um dia. Muita coisa aconteceu para que isso possa ocorrer novamente".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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