Venezuela já é o pior país para investir
Risco-país é o mais alto do mundo, reflexo de escassez de dólares, desabastecimento, inflação e ambiente instável
Governo declarou 'guerra econômica' a empresários que seriam especuladores; lei dá superpoderes a Maduro
PATRÍCIA CAMPOS MELLO -
FSP
Em meio a escassez de dólares, inflação crescente e saques a lojas, a
Venezuela se transformou no país mais arriscado do mundo na percepção
dos investidores.
Principal medida global do risco-país, o Índice de Títulos de Mercados
Emergentes (Embi) do banco JP Morgan dá à Venezuela 1.209 pontos base,
maior marca do mundo. O país ultrapassou no mês passado a "líder"
Argentina (791), que já deu calote em sua dívida externa.
O número exprime, em pontos, a diferença entre a remuneração de títulos
de determinado país em relação a papéis de prazo equivalente do Tesouro
dos Estados Unidos, que são considerados os mais seguros.
Nas últimas semanas, o presidente Nicolás Maduro declarou "guerra
econômica" a comerciantes e empresários que ele acusa de serem
especuladores.
Uma lei dando ao presidente poderes especiais foi aprovada de forma
controversa no Parlamento, e Maduro baixou decreto fixando, por exemplo,
margens de lucro.
A oposição o acusa de incompetência e de tomar medidas tentando não perder importantes eleições municipais em dezembro.
Como resultado da instabilidade, para os investidores, a Venezuela é
considerada um país mais arriscado até do que a Grécia, que teve de ser
resgatada com empréstimos do FMI em 2010.
Investidores exigem um retorno de 9,07% nos títulos de 15 anos da
Grécia, diante de 13,26% de títulos da Venezuela com o mesmo prazo.
"Este ano a Venezuela terá o pior desempenho macroeconômico do
continente, com crescimento baixo e inflação perigosamente alta", disse à
Folha José Manuel Puente, do Centro de Políticas Públicas do Iesa, em
Caracas.
A inflação já está em 55% ao ano (70% para alimentos) e o
desabastecimento é generalizado --faltam leite, óleo de cozinha, arroz e
papel higiênico. Segundo o FMI, a economia vai crescer 1% este ano, mas
outras estimativas falam em contração de mais de 3%. O deficit do
orçamento chegará a 12% do PIB.
O problema central é o controle do câmbio. O governo mantém a cotação a
6,30 bolívares por dólar, mas, no mercado negro, chega a mais de 60
bolívares.
"Isso gera múltiplas distorções na economia. Como é que os empresários podem prever preços de qualquer coisa?", diz Puente.
Maduro conclamou a população a forçar lojas de eletroeletrônicos a
vender seus estoques a preços baixos. Resultado: ao menos 26 pessoas
detidas por "especulação".
O caos espanta também investidores de longo prazo. Segundo a Cepal, o
braço das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe, houve saída
líquida de investimento estrangeiro direto de US$ 759 milhões em 2012. O
Brasil, no mesmo ano, teve US$ 65 bilhões líquidos de investimento
direto.
"As leis que Maduro acaba de implementar vão piorar ainda mais as
coisas, a produção vai cair e o desabastecimento se ampliar", disse à
Folha Daniel Kerner, diretor de pesquisas da América Latina na
consultoria Eurasia Group.
Para ele, faz sentido o país ser visto como mais arriscado que a Grécia.
"A situação macroeconômica piorou marcadamente", disse. "Eu não acho que
haverá um calote deliberado, mas uma hiperinflação aliada à crescente
escassez de produtos pode levar a uma crise política e revolta popular, o
que complicaria o pagamento das dívidas."
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