Venezuelanos encaram filas para aproveitar a redução nos preços determinada pelo governo
FLÁVIA MARREIRO - FSP
No enorme shopping da venezuelana San Cristóbal, a 57 km da fronteira com a Colômbia, funcionários circulam rapidamente, megafones na mão, na tentativa de organizar a enxurrada de consumidores que, após horas na fila, acabam de entrar.
"A loja Krazy Kat não vai abrir hoje. Não adianta fazer fila. Aqui ao lado estão os órgãos da segurança do Estado, e eles dizem que os preços ainda não foram ajustados", diz um funcionário no megafone, apontando para servidores do governo ao lado.
Murmúrios na fila. Alguém protesta ("Mas tem gente comprando lá dentro!"), e o grupo vai se dispersando à vista de um homem da Guarda Nacional que, a despeito de estar dentro do principal centro comercial da cidade, o Sambil, segura um rifle.
Não longe dali está Elvina Rodríguez, 64, que levou filha e netos a um programa especial no domingo: esperar o necessário para tentar aproveitar as reduções compulsórias de preços anunciada como "justiça" pelo presidente Nicolás Maduro.
"Quero comprar uns enfeites de Natal", diz Elvina, enquanto espera para ingressar numa loja, onde só entram dez consumidores por vez.
A febre de consumo, incentivada pelo governo do socialismo do século 21, tem também como alvo ícones do capitalismo. As lojas da Adidas e da Tommy Hilfiger tinham filas enormes, de clientes claramente críticos ao governo.
Na Timberland havia cota: foram só 150 senhas. "Para que todos tenham oportunidade de comprar", disse uma funcionaria da "Sunab" venezuelana, não autorizada a falar com a imprensa.
PREÇOS JUSTOS
No shopping, a rotina mudou no dia 15, quando veio a notícia de que lojas teriam de vender a "preços justos".
Na Venezuela inteira, a onda começou uma semana antes, quando Maduro ordenou a intervenção em uma rede de lojas de eletrodomésticos. "Que não sobre nada nas prateleiras", disse no dia.
Acossado por uma inflação anual de mais de 50% e por um sistema de preços afetado por tabelamentos e divergências entre o dólar oficial e o do mercado negro, o governo diz que a ofensiva está só começando e que os preços baixos vieram para ficar.
PAÍS DAS FILAS
Não é, porém, o que creem os consumidores. Nem mesmo apoiadores do
governo, como Elvina, que defende suas quatro horas de fila como única
maneira de obter enfeites de Natal.
"Esse é o país das filas, minha filha. Já fiz fila para comprar leite, farinha e papel higiênico nesta semana. Faço fila para esperar o transporte público", diz a dona de casa, eleitora de Maduro, mas não convicta de que votará no candidato governista nas eleições municipais do dia 8.
Apesar de atrair a classe média não chavista, os descontos não parecem comovê-la a votar no governo, o que aponta que o efeito eleitoral da medida será mobilizar os chavistas descontentes.
Parece ser o caso de Nélida Pérez, 54, que faz fila há uma semana esperando que a Ciro Sánchez, principal loja de eletrodomésticos da cidade, abra com descontos.
Ela acampa a uma quadra da loja, que está isolada com fitas de "não passe". Carros do Exército e da Polícia Nacional Bolivariana fazem a segurança. Desde o início do "saldão", houve saques e tentativas de saques pelo país.
Nélida faz turnos com familiares para tentar comprar, com 50% de desconto, uma máquina de lavar.
"O próprio presidente pediu desculpas por não ter agido antes. Ele sabe que perdeu o controle da situação", diz, sobre os preços. Ela vincula a piora da crise à morte de Hugo Chávez, em março.
"É tudo política", concorda com Maduro, e lembra que empresários que receberam dólar subsidiado pelo governo não podem ajustar preços de acordo com o câmbio negro (valor nove vezes maior).
Toda a fila confirma que há falta rotativa de produtos básicos tabelados --agora são leite em pó e papel higiênico-- e teme que esse seja o futura de todos os produtos.
EXPORTAÇÃO
Se a falta de produtos bate recorde na região metropolitana de Caracas,
na zona de fronteira ela tem um agravante: os artigos com preços fixos
que somem das prateleiras venezuelanas aparecem em mercados informais em
Cúcuta, no lado colombiano.
"Depois da abundância, vem a escassez, como aconteceu com os alimentos", lamenta Jorley Areque, 29, na fila da loja Ciro Sánchez. Ela e Nélida estavam irritadas no domingo passado, pois a loja completava sete dias fechada desde que Maduro ordenou baixar os preços.
"Que não nos enganem!", diz Nélida.
Uma pessoa que presta serviços ao empresário Ciro Sánchez diz que ele fez acordo com os militares da zona, de quem é próximo, para reabrir com menos descontos do que o exigido nacionalmente.
As mulheres temem que, quer consigam ou não comprar a máquina de lavar, a ressaca da festa do consumo tenha data: janeiro.
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