sábado, 23 de novembro de 2013

A VENEZUELA JÁ ERA III


Desvalorização da moeda local é inevitável, avaliam economistas
Governo deve segurar a cotação oficial do bolívar pelo menos até eleição municipal, no entanto
Empresária brasileira relata que não consegue receber pagamento por sapatos que exportou ao comércio venezuelano 
PATRÍCIA CAMPOS MELLO - FSP
A indústria de calçados brasileira Piccadilly tem oito lojas na Venezuela. Estão todas vazias.
Desde o início do ano, o representante venezuelano que é dono das lojas não consegue importar os calçados do Brasil, porque só encontra dólares no câmbio paralelo, muito mais caros.
E a Piccadilly ainda aguarda o pagamento de 40 mil pares que exportou para o comércio venezuelano.
"A Venezuela era nosso terceiro maior mercado, mas o governo de lá não libera dólares para a importação de calçados, que, segundo eles, não são prioritários --não mandamos nenhum par de calçados para lá neste ano ", disse à Folha Micheline Griggs, diretora de exportação da Piccadilly.
Ela aposta em mercados no Oriente Médio para compensar a perda. "Estamos na Venezuela há 15 anos, nunca vi a situação tão ruim."
Para muitos economistas, uma nova desvalorização do bolívar, a moeda venezuelana, é inevitável (houve uma desvalorização do câmbio oficial de 46% no último mês de fevereiro).
Mas o presidente Nicolás Maduro não deve fazer isso antes do dia 8 de dezembro, data das eleições municipais, porque seria altamente impopular.
Há pouco mais de dez anos, o então presidente Hugo Chávez instituiu controles estritos sobre o câmbio para impedir fuga de capitais.
Hoje, os dólares oferecidos pelos meios oficiais saem a 6,3 bolívares.
Mas são muito escassos, e a moeda no mercado negro custa quase 11 vezes mais.
Isso em um país que importa cerca de 70% de tudo o que consome.
O governo de Nicolás Maduro determinou que é crime passível de sete anos de prisão simplesmente mencionar a taxa do dólar no mercado paralelo.
Segundo informou reportagem da Folha no mês passado, o atraso nos pagamentos de produtos vendidos ao mercado venezuelano chega a quatro meses.
E o governo brasileiro estaria agora cobrando do país vizinho "calotes temporários" de exportações de empresas brasileiras feitas neste ano.
Neste ano, até outubro, o Brasil exportou para a Venezuela US$ 3,6 bilhões.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) recentemente caracterizou a situação econômica na Venezuela como "insustentável".
"É paradoxal --a Venezuela deve receber US$ 85 bilhões de exportação de petróleo este ano, com o petróleo na cotação média de US$ 100, historicamente alta, e está nessa crise econômica", declara José Manuel Puente, professor do Centro de Políticas Públicas do Iesa, em Caracas.
Muitos economistas acham que as medidas adotadas por Maduro são inúteis, e que a desvalorização será a única maneira de aumentar a produção no país, permitir importação e reduzir escassez de produtos.
Mas o remédio será amargo --uma nova desvalorização deve exacerbar ainda mais a inflação.

Nenhum comentário: