sábado, 23 de novembro de 2013

Paraguaios protestam nas ruas contra a corrupção
Alejandro Rebossio - El Pais
Jorge Saenz/APManifestantes lançam) rolos de papel higiênico no edifício do Parlamento, em Assunção  


Manifestantes lançam) rolos de papel higiênico no edifício do Parlamento, em Assunção
A indignação chegou às ruas do Paraguai. Assim como em outros países latino-americanos a população começou a protestar ultimamente por motivos que vão desde a educação até o transporte público, milhares de paraguaios se manifestaram na sexta-feira da semana passada e na quarta desta semana em Assunção para repudiar o nepotismo e a corrupção em seu país. As práticas corruptas são historicamente um assunto pendente de solução no Paraguai, assim como a desigualdade, a distribuição das terras e o desenvolvimento econômico. Desta vez os cidadãos reagiram porque no último dia 14 mais de 20 senadores votaram contra a cassação de um colega seu, acusado pela imprensa de contratar como funcionárias do Congresso a babá de seus filhos e uma ex-candidata a Miss Universo.
O senador resgatado é Víctor Bogado, do conservador Partido Colorado, ao qual pertence o presidente paraguaio, Horacio Cartes. Os 23 senadores que o salvaram são uma mistura de seu partido, da União Nacional de Cidadão Éticos (Unace, fundada pelo falecido general golpista Lino Oviedo) e do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), tradicional rival do Colorado, mas que se aliou a ele para destituir no ano passado o então chefe de Estado, o ex-bispo socialista Fernando Lugo. Não participaram da defesa de Bogado nem o agora senador Lugo nem seus quatro companheiros de grupo da Frente Guasú (Grande).
Desta vez foram cidadãos de diversas classes sociais que se levantaram contra a corrupção. Tudo começou no início de outubro, com denúncias jornalísticas contra legisladores que distribuíam contratos entre familiares e achegados. Por exemplo, a apelidada babá de ouro de Bogado ganhava US$ 1.800 mensais, e a aspirante a Miss Universo, US$ 1.300, além de que esta era contratada por outra dependência do Executivo. O escândalo foi tal que o Senado discutiu sua cassação pelas acusações de estelionato, mas a maioria dos legisladores a rejeitou.
No dia seguinte a essa votação, cerca de 3 mil paraguaios se concentraram diante do Congresso em uma manifestação organizada pelas redes sociais sob o lema #15NPY, ou 15 de novembro paraguaio. Os participantes seguravam rolos de papel higiênico, como símbolo de que queriam limpar o excremento dos políticos. "Dipuchorros", gritavam alguns. "Chorro" é uma maneira de chamar os ladrões no Paraguai e na Argentina. "Senarratas" [senadores ratazanas], escreviam outros em cartazes. "Víctor Bogado, devolva o roubado", cantavam, enquanto espalhavam papel higiênico pelas ruas. Aposentados, mães de família e jovens estudantes participaram da primeira marcha, e alguns deles lembravam que desde os tempos da ditadura - quando a população começou a se manifestar contra Stroessner - não se mobilizava tanta gente.
O protesto de rua evoluiu para vários "escraches" [manifestações diante da casa ou escritório dos acusados] e acusações diretas. Um dos 23 senadores envolvidos, Óscar González Daher, foi jantar nessa noite com uma mulher em uma pizzaria e o garçom o convidou a se retirar por ter votado a favor de Bogado. "Fora, ladrão!", gritaram os frequentadores.
A partir de então, mais de cem comércios anunciaram que não atenderiam Bogado e seus 23 salvadores. Não poderão mais ir a certos restaurantes, bares, cinemas, postos de gasolina, lojas, clínicas privadas, agências de viagens, centros comerciais, sorveterias, academias, supermercados - lugares aonde talvez nunca vão, porque enviam seus assistentes para fazer as compras - e o famoso Iate e Golfe Clube Paraguaio. A candidata a Miss Universo sofreu um "escrache" em um restaurante. Outro senador foi alvo de acusações em um enterro. Sindicatos e patronais rurais e industriais também se somaram com o correr dos dias às reclamações de honestidade na política.
Os cidadãos voltaram a ser convocados por redes sociais para esta quarta-feira. A imprensa informou que uma caravana de 3 quilômetros de extensão se formou com carros e motos ao longo da Avenida Costanera de Assunção, frente ao rio Paraguai. De nada serviram algumas tentativas de deputados colorados de proibir a manifestação. Outros manifestantes foram até o Congresso. Alguns chegaram em bicicletas e enfrentaram a polícia. Havia quem não só pedisse o fim da corrupção, mas uma mudança política, quando Cartes está há apenas três meses no poder. Alguns reclamavam a redução de salários dos legisladores e outros, uma reforma eleitoral.
Estas não são as únicas manifestações que toldam o novo governo Colorado. No último sábado, dois lavradores foram feridos a bala em uma repressão policial contra uma manifestação de agricultores que rejeitavam a fumigação de plantações de soja com agrotóxicos em Colonia Maracaná, a 250 km a noroeste de Assunção. O fato ocorreu a poucos quilômetros de onde se deu no ano passado a chacina de Curuguaty. Naquele massacre, em junho de 2012, morreram 11 agricultores e seis policiais em uma ocupação de terras de um latifundiário colorado.
Aquele confronto foi o argumento usado por senadores colorados e liberais para destituir Lugo, por um suposto mau desempenho de suas funções. A falta de solução para a distribuição desigual da terra e a falta de reforma agrária, promessa descumprida pelo ex-bispo, provoca tensões permanentes no Paraguai. A polícia disse que desta vez estava acompanhando um proprietário de terra que tinha pedido custódia para fumigar diante do temor de que a manifestação de agricultores o impedisse. Os policiais detiveram então cinco dos 250 agricultores que protestavam, e a partir de então as versões são contrapostas. As forças de segurança defendem que os militantes da Federação Nacional Camponesa e do Partido Paraguai Pyahura os atacaram, e por isso eles dispararam. Os agricultores dizem que só protestavam.
Outubro também foi um mês de manifestações de rua, embora contra algumas medidas concretas tomadas pelo presidente Cartes. Então haviam organizado protestos os professores devido a um corte de salários, os funcionários públicos afiliados ao PLRA devido às demissões praticadas pelo governo colorado e os sindicatos e organizações sociais devido à lei finalmente aprovada para fomentar o investimento privado em infraestruturas e serviços públicos, que foi considerada uma privatização disfarçada.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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